Há dias diziam-me que o mundo está a ficar estranho. Estranho como o olhamos e parecemos reconhecer umas quantas coisas que já lemos em livros de história. Não, a história não se repete. Mas o conhecimento deveria ser suficiente para conseguirmos pensar a partir de tudo aquilo que já aconteceu, não a partir de um vazio que consideramos necessário preencher. É que o vazio preenche-se de muitas coisas que não fazem sentido nenhum.
A Hungria está a ficar estranha. Em 2012 estive a trabalhar no país e sentia-se como a pouca capacidade financeira, dentro da União Europeia, começava a servir para vender a ideia de que a União existia para lhes roubar a identidade. Não espanta, por isso, a evolução que o país tomou. No mesmo dia em que na Puskas Arena, em Budapeste, um grupo de camisas negras, identificado com a extrema-direita, lançava insultos homofóbicos sobre Cristiano Ronaldo, no Parlamento proibia-se a referência a conteúdos LGBTI+ nas escolas. Os vazios preenchem-se de coisas que fazem mal a muitos de nós.
Antes, em Bucareste, o ambiente de violência latente de parte da Europa já se havia manifestado no momento em que Marko Arnautovic festejava o seu golo. Ao austríaco, descendente de sérvios, não bastou festejar o golo. Fê-lo insultando e fazendo o gesto da supremacia branca para Ezgjan Alioski, norte-macedónio descendente de albaneses. Nos estádios e nos campos de futebol refletem-se todas as tensões da sociedade. Por vezes, é por aí que nos apercebemos do mal que se aproxima. O vazio preenche-se de significados que devemos aprender e dominar. Para que não nos passe ao lado o remate com que queremos fechar a existência destas atitudes discriminatórias.
Comentário no Diário do Euro, na SIC Notícias, a 16 de junho de 2021.