Coisas que se aprendem a ler Acórdãos do Tribunal Constitucional - o caso do voto no Círculo da Europa
Escudados no "Manual dos Membros das Mesas Eleitorais" do CNE, acordaram os partidos IL, PSD, PS, A, BE, L, VP e CDU aceitar os votos de residentes no estrangeiro que não apresentassem cópia do Cartão do Cidadão.
A deliberação do CNE datava de 2019 e considerava essa cópia apenas um reforço da identificação dos votantes, algo que já estaria assegurado pela forma como os votos postais chegam aos eleitores.
Essa deliberação e o acordo não estão previstos na lei eleitoral, ainda que, a seu tempo, representante do CNE tenha dado como exemplo comparativo os casos em que, numa mesa de voto presencial, um cidadão sem CC pode votar tendo por testemunhas elementos da mesa (sim, acontece).
O PSD, apesar de ter estado no acordo prévio feito entre partidos, após a contagem dos votos apresentou um protesto que visava cumprir a lei. De notar que esse protesto foi apenas aceite para o Círculo da Europa (onde perdeu) e não para o Círculo Fora da Europa (onde ganhou). Ainda assim, o PSD não avançou com novo pedido sobre o chumbo neste Círculo.
A Assembleia de Apuramento Geral decidiu aceitar o protesto, medida que, estando os votos todos juntos em urna na maioria das mesas, levou à consideração de nulos de 80% dos votos deste Círculo. Contra esta deliberação foram apresentados protestos do L e do PS.
A história poderia ter ficado por aqui, com a divisão dos deputados entre PS e PSD, afetando, no entanto, um largo número de cidadãos que votaram cumprindo a lei, que acabariam por ver os seus votos considerados nulos.
Essa anulação também teria um efeito nefasto na contabilização de votos de vários pequenos partidos que acabariam por ver afetadas as remunerações recebidas pela participação nas eleições.
Apresentaram recurso ao Tribunal Constitucional VP, L, CH e PAN. Foi a estes recursos que o PSD teve que responder, sendo que apenas o do VP foi considerado pelo Tribunal.
O recurso da VP pedia a anulação do protesto do PSD e a decisão da Assembleia de Apuramento Geral. Não exigia o cumprimento da lei, mas o cumprimento do acordo entre partidos, escudado no Manual do CNE.
Esse recurso é recusado pelo VP. Ao mesmo tempo, considera nula a decisão da Assembleia de Apuramento Geral por ter considerados nulos votos que tinham chegado em condições para ser aceites. A repetição das eleições é uma decisão que deixa mal todos os partidos envolvidos.
Estiveram mal IL, PSD, PS, A, BE, L, VP e CDU no acordo que tentaram fazer. Esteve mal o CNE ao sacudir a água do capote. Esteve mal o PSD a apresentar recurso apenas onde tinha perdido. Esteve mal o VP ao querer insistir na "legalidade" de um acordo ilegal.
Link para o Acórdão do Tribunal Constitucional, está aqui: https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20220133.html