O jogo e a vida



Para quem não entende a técnica da música, uma banda de jazz em actuação pode causar uma experiência de perplexidade. O concerto começa e cada elemento da banda relaciona-se com o seu instrumento como se estivesse fora do mundo, ou como se cumprisse um ritual semelhante ao de um desportista que, antes da competição, faz o seu aquecimento. No entanto, a aparente desordem caótica da música que vai chegando aos nossos ouvidos começa, em determinado momento, a fazer algum sentido, ensaiando um excerto de uma melodia que reconhecemos, revestindo-se de um ritmo que o nosso corpo agradece, entrando-se naquela tranquilidade festiva de quem, não entendendo a técnica, saboreia a música. 

No entanto, para quem entende a técnica da música, não existe um momento de desordem ou caos onde a técnica do instrumentista se revela. Reconhece-se exactamente o processo que este expõe e o gozo que se tem ao ouvi-lo antecede mesmo o encontro da melodia, porque o ritmo, esse, já estava lá no momento em que a banda começou a tocar. Um experiente olheiro de futebol também, tantas vezes, não precisa de mais do que ver um conjunto de jogadores entrar em campo para o aquecimento para ter, desde logo, uma ideia (talvez ainda abstracta, seguramente incompleta) de qual deles se irá destacar no jogo. Porque a técnica não se aplica apenas ao jogo, à música, mas toma o próprio carácter do seu executante. Porque mesmo quando estamos fora do concerto ou fora do jogo, estamos já a tocar e a jogar. 

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