Contratos de Associação, Precedentes e Amigos



A polémica criada pelo aviso de abertura de procedimento para celebração de contratos de associação no Concelho de Torres Vedras é um excelente exemplo de como é fácil atacar a escola pública, lançando-se nuvens de fumo que dificultam o entendimento da situação e politizando aquilo que deveria ser tratado a partir dos direitos dos cidadãos. Exploremos a situação.

Começando do princípio

O Externato de Penafirme é propriedade do Seminário Liceal daquela localidade, fazendo parte integrante, desde Novembro de 1975, da rede escolar do Concelho de Torres Vedras, suprindo a ausência de serviços públicos de educação nas freguesias de Silveira, A-dos-Cunhados e Maceira. O Externato foi crescendo em meios humanos e físicos, correspondendo ao aumento da população na zona norte litoral do Concelho. Como nunca houve, no território, um investimento do estado para a construção de uma escola pública, nos últimos anos, com a instituição dos concursos públicos para os contratos de associação, tem-se mantido a abertura dos mesmos para escolas situadas nas Freguesias indicadas.

O concurso para o ciclo que se inicia em 2017/18

O aviso de abertura de procedimento para celebração de contratos de associação para o ciclo que se inicia no ano lectivo de 2017/18 aumentava o território de carência no Concelho de Torres Vedras, incluindo a Freguesia de Santa Maria, São Pedro e Matacães. Ao contrário das Freguesias citadas no ponto anterior, não é conhecida uma situação de necessidade, nas escolas públicas, que obrigue a um contrato de associação neste território. Pelo contrário, com várias escolas públicas que detém turmas de 7º ano (Escola Henriques Nogueira, Escola São Gonçalo, Escola Padre Francisco Soares e Escola Vítor Melícias), sendo que no caso desta última se vem evocando, ao longo dos últimos anos, capacidade para receber mais turmas.

Perante os protestos que esta situação gerou, foi publicado uma rectificação ao aviso de abertura que, em lugar de ter apenas uma alínea para as diferentes Freguesias do Concelho de Torres Vedras, divide estas em alíneas diferentes, criando a possibilidade de diferentes escolas, de diferentes freguesias, concorrer aos contratos de associação.



Dois pesos, duas medidas

Se como garantia do acesso de todos ao ensino, é defensável a ideia de que se deve manter a possibilidade de celebrar contratos de associação com escolas privadas e do sector cooperativo, de acordo com as regras definidas em regiões onde a escola pública não tem condições de acolher esses alunos, com um financiamento não superior ao que se faz por turma, na escola pública e com rigorosa verificação dos contratos assinados, a prioridade do investimento público deve ser no reforço das condições materiais e humanas das escolas públicas e no alargamento da rede pública de escolas.

Aquilo que podemos observar com a situação criada para o novo ciclo é que, se nas Freguesias de Silveira e A-dos-Cunhados e Maceira este princípio é observado, já para as Freguesias de Santa Maria, São Pedro e Matacães se ignora o facto de existirem escolas com capacidade para receber alunos e se parte para a abertura de um concurso que abre o grave precedente de termos, de novo, situações de contrato de associação em concorrência directa com o ensino público. E isso não é aceitável.

Uma definição de “amigos”

No Jornal Sol de hoje indica-se que proximidades políticas e familiares entre os donos de uma escola situada na Freguesia de Santa Maria, São Pedro e Matacães e a diretora-geral da Direcção Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) explicariam as perguntas que ficaram sem resposta no que toca à alteração do território na abertura deste concurso. Transforma-se a notícia em arma de arremesso político, voltam a pintar-se de cores diferentes aqueles que interesses semelhantes e aumenta-se a dificuldade de compreensão para aquilo que, verdadeiramente, se passa.

É porque na análise a esta questão, há apenas uma leitura que interessa fazer. Numa freguesia onde há capacidade para criar mais turmas em escolas do ensino público, está-se a abrir o precedente de criar um contrato de associação, levando a crer que num momento em que a demografia do país e do concelho leva a um cada vez menor número de alunos, se aumente artificialmente o problema para poder alimentar interesses privados. E isso é inaceitável, sendo que interessa a quem está hoje no poder e também a quem, protestando, se servirá desse mesmo princípio quando lá voltar.

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