A vida em rede oferece-nos uma ilusão de acessibilidade total, a qualquer hora. Ilusão porque, apesar de tudo, continuamos a ser humanos, da mesma maneira que o dia continua a ter apenas vinte e quatro horas. Dessas, muitas estão à partida reservadas para uma vida que, por muito que nos tentem convencer do contrário, não existe na rede. Será um contra-senso, mas a vida (lá está ela outra vez) é mesmo assim. Termos acesso às coisas não significa que as compreendamos, que as conheçamos, que tenhamos, enfim, a capacidade de as entender.
Essa ilusão transporta-se para a questão da transparência. De certo modo, sentiu-se que se poderia caminhar para uma vida política e social de total transparência, mas esse caminho viu-se interrompido (pedras no caminho…) pela ideologia Big Brother. É, no fundo, uma confusão de conceitos. Entendemos que compreender o ser humano em cativeiro se pode fazer expondo o cativeiro em si, quando, no lugar desse entendimento, se abrem portas para o foco nos eventos mínimos da convivência humana, a pequenez da vida diária dentro da casa de cada um. Ver sem estudar não produz conhecimento.
2020 foi o ano da ciência em direto. Uma pandemia globalizada que oferece o condimento de estarmos perante o desconhecido, mesmo que aquilo que seja o desconhecido para a maioria de nós não signifique que não tenha sido já projetado e estudado por aqueles que são especialistas no assunto. A ciência em direto ofereceu-nos, uma vez mais, todos os efeitos da era Big Brother. Temos acesso às hipóteses, às opiniões e a todos os passos dos estudos, mas todos esses se confundem com o que temos, também, por conclusões. E, no espaço mediático, hierarquia não é ciência exata.
Percebe-se, finalmente, que não pode haver transparência sem mediação. Porque é no mediador que se desenham os diferentes substratos que tornam o conhecimento perceptível. Precisamos de quem entenda que o esforço da comunicação não se faz, apenas, mostrando as vísceras de cada reunião de especialistas, expondo cada parágrafo de estudos académicos, mas transformando tudo o que aí se diz e escreve em informação pública. Caso contrário, a rede não nos traz transparência, apenas logro onde nos mantemos presos.