Dois momentos da semana que demonstram que para termos boas respostas precisamos de fazer boas perguntas, ao mesmo tempo que a formação de blocos que lutam mais por antítese do que por tese tornam o debate público cada vez menos interessante.
Vem ao caso a publicação de um trabalho de Duncan Simpson no Jornal Público, onde este lança a questão se “os portugueses foram vítimas ou cúmplices da PIDE?”. Antes de entrar sequer no corpo do estudo do historiador, que já foi contestado por outros especialistas, está o bom-senso de uma análise à situação. Alguém crê que uma ditadura se mantém durante 48 anos num país sem uma base social de apoio? Alguém sente como possível que não existisse um grau de simpatia ou reverência de muitos portugueses pelo estado policial e ditatorial que ensombrou Portugal durante o Século XX? O ponto-de-partida deveria ser bastante claro. Alguns portugueses foram cúmplices da PIDE, outros portugueses foram vítimas da PIDE e, muito provavelmente, a grande maioria viveu condicionado pela PIDE sem se manifestar. Uma boa pergunta seria tentar entender o caminho percorrido por quem, num dado momento, considerou necessário pedir a intervenção da PIDE para solucionar um problema da sua vida. Quem era essa pessoa, o que lhe sucedeu depois e como se incorporou, posteriormente, na vida democrática. Entender o que fazemos numa ditadura ensinar-nos-á muito melhor o que fazemos numa democracia (até porque, em ditadura, nem todos podem fazer perguntas).
Também esta semana, foi publicada uma “Carta aberta às televisões generalistas nacionais” que coloca em causa o estilo com que são abordados os temas jornalísticos relacionados com a pandemia e a forma como são abordados elementos do Governo e da DGS nos espaços noticiosos dos três canais generalistas nacionais, RTP, SIC e TVI. Eu próprio expressei críticas a determinados momentos e abordagens feitas em diferentes canais, mas custa-me a entender qual a pergunta que o grupo de subscritores, onde está uma série de pessoas que têm o meu respeito intelectual, terá feito antes de assumir esta carta. Confunde-se a crise da comunicação social com a “ameaça das redes sociais”, transformam-se críticas justas na abordagem da notícia em delimitação da ação dos jornalistas, confundindo propositadamente previsões não confirmadas com “falsos especialistas”. Critica-se, nesta carta, a falta de “diferença entre informação, especulação e espetáculo”, com uma abordagem pouco informada, especulativa e espetacular. Parafraseando uma música da banda brasileira Mestre Ambrósio, esta carta que eu descobri queria cobrir de novo.
A reacção a estes dois momentos também não deixa de ser sintomática daquilo que vivemos na atualidade. Em ambos os casos, formam-se blocos que se armam, uns a favor, outros contra, tornando mais importante ter razão no dirimir de argumentos do que pensar o problema que têm pela frente. Não se fez uma mais profunda reflexão sobre a PIDE, o Estado Novo e os portugueses, nem com o artigo de Duncan Simpson, nem com a maioria das acaloradas reações que este gerou. O mesmo acontece na questão da “Carta aberta”, já que a forma acabou por se tornar mais importante do que o tema, em si. Assim se recoloca, então, a necessidade de quebrar a tentação da formação de blocos que criam lutas fictícias no espaço público, deteriorando ainda mais a discussão que se faz no mesmo.
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