Última hora - a vida continua

Os acontecimentos do ciclo noticioso não são um retrato fiel da realidade das nossas vidas. Compreendê-lo é encontrar uma forma de nos livrarmos de uma agenda mediática que nos querem impor como verdade absoluta. 

Os ciclos noticiosos de vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, impõem-nos uma realidade paralela baseada em situações de “Última hora” que, na verdade, parecem acontecer de forma intensa durante determinados períodos horários. Essa realidade faz-nos crer que o mundo nos oferece acontecimentos narrativos bem definidos, com princípio, meio e fim. A chamada de “Última hora” marcaria o início do acontecimento, desenvolvido ao longo de um punhado de dias com várias notas sobre o mesmo, para terminar fechado e deglutido por uma análise final de um comentador que ditará, não só o acontecimento, mas as consequências do mesmo. 

No entanto, a realidade mantém-se de forma contínua, ilógica e sem narrativa que a segure ao longo das nossas vidas. Muitas das notícias que chegam à agenda mediática já foram sentidas e vividas por muitos, de forma desregrada, se comparada com a construção de uma peça televisiva de dois minutos e meio. Ao mesmo tempo que a sucessão de pequenas reportagens tenta construir o acontecimento como um “puzzle”, muitas pessoas continuam a vivê-lo de forma fragmentada e raramente os acontecimentos noticiosos se resolvem com a determinação de um comentador. 

Essa diferença entre mundo e notícia tende a aumentar o seu impacto num mundo fechado de um estado de emergência, com cerca de metade da população portuguesa em confinamento. Uma grande parte das pessoas consomem as notícias conforme narrativas que, também elas, não acompanham do princípio ao fim. Fiquem uma tarde inteira perante o televisor e percebam como uma história nunca é desenvolvida muito para além do título. O consumidor de televisão sente reforçado o acontecimento através desse pequeno resumo, construindo o seu conteúdo conforme os seus conhecimentos e a sua curiosidade assim o permitam. 

É neste intervalo que o desenvolvimento de uma realidade paralela pode tomar espaço. Porque o reforço do título acontece, quase sempre, como uma abertura de porta para uma explicação rápida que pode ser resolvida através de uma rede social, seja ela transmitida de forma pública ou privada. E é perante o pulular de realidades paralelas que se desenham, hoje em dia, os desafios de quem comunica para comunidades. Ceder à ganância de um mundo em corrida sabe a derrota, perante a incapacidade assumida para o mudar. Não reconhecer o esforço que é necessário fazer para chegar a todos é desistir, previamente, numa luta que está agora a começar.