A convicção não é um plano fechado

Sobre resistência a ideias preconcebidas sobre as coisas, contra a ilusão dos atos heróicos, por um certo tipo de comunhão que nos permite crescer e evoluir nas nossas convicções. 

Citando Ethan Hawke, “se a história nos ensinou alguma coisa é que o mundo é um crítico de pouca confiança”. Parece certo que o mundo está sempre a tentar empurrar-nos para um caminho que pareça já feito, que se acomode às suas realidades, que, acima de tudo, nos acomode dentro de uma definição que encaixe nessa narrativa maior. Resistir contra isso, dizem-nos muitas vezes, não vale a pena. 

No entanto, a história de tantos parece, exatamente, contrariar essa arrumação das coisas que nos apresentam preconcebidas. Porque encontraram maneira de se descobrir fazendo aquilo que não era o expectável. Porque duvidaram das certezas que estavam, mais baratas, à venda no mercado. Porque questionaram quando lhes impuseram uma verdade mais verdadeira do que outra. 

O meu percurso tem-se feito por aí, contrariando uma certa lógica que vê as coisas fixarem-se indelevelmente no papel. Perguntando quando podia ter ficado calado, procurando quando era suposto ficar quieto, falando quando era suposto só escutar e obedecer, querer saber mais, de todas as coisas, que acontecem perante os meus sentidos e o meu pensamento. Podemos perguntar-nos porque pensamos as coisas que pensamos, mas fundamental é pensarmos que não podemos deixar de pensar. 

Filmagem de "O Navio", na Praia de Santa Cruz, em 2010


A ilusão dos heróis

Não confundam isto com nenhum tipo de heroicidade. Existe a ilusão dos heróis, envolvidos nos eventos pelas circunstâncias que, de um momento ao outro, passam a controlar. Nunca gostei muito de heróis. Sempre preferi as equipas pequenas, os jogadores portadores de defeitos, os poemas com marcas visíveis da luta contra a dificuldade que as próprias palavras colocam. Sempre preferi música que mastiga a sua própria existência, de livros que tropeçam entre o início e o fim, de conversas que encontram sentidos e se perdem uma outra vez. 

Outra das coisas que me leva a não acreditar em heróis é o não acreditar na linearidade das coisas. Não acreditar que existem rumos claros e definidos que nunca se enfrentam com obstáculos - ou que, enfrentando-se, sabem exatamente o que fazer. É por não acreditar nessa linearidade que tantas vezes me coloquei do lado da necessidade de construir, não a de aderir a construções já feitas. Procurar colaborar para a elaboração da massa das coisas. A necessidade desse desafio é uma marca constante. 

Talvez por me ver demasiadas vezes nessa situação, reconheço bem a situação precária de não controlar os eventos em que me envolvo. Mas não serei tão inocente quanto pareço, porque, a cada momento, o que encontro são pontos que unem a reflexões feitas durante tempo, tantas vezes tresmalhadas, para se encontrarem como base de uma qualquer coisa que, então, começa a fazer o seu sentido. 


Um certo tipo de comunhão

Há quem saiba desde pequenino aquilo que vai ser e não há problema nenhum com isso. Provavelmente também é isso que eu sei, mas de uma forma diferente, não tanto naquilo que pareço para fora, mas naqueles que são os caminhos que vou fazendo interiormente até que, à superfície, isso seja notório. Há quem tenha paixões que duram a vida toda. Eu vou procurando e encontrando novos sentidos nas possibilidades que sempre se abrem pelo caminho. 

Mas aquilo que mais me faz sentido é esse certo tipo de comunhão que se gera quando pessoas começam a partilhar pensamentos e a conseguir ligar traços que antes pareciam frágeis, precisavam de soldadura, continuidade, para serem completos. Um certo tipo de comunhão que renasce em cada conversa e alimenta novos caminhos para ideias que pareciam encerradas na sua própria impossibilidade.

Crescer, evoluir, não nos transforma noutro. Em nada nos torna infiéis ao que fomos antes. É, isso mesmo, uma renovação de partes que se vão conjugando para novas realidades. Caminhamos para o futuro onde somos a conjugação exata de todas as coisas que vivemos antes, que pensámos antes, que estudámos antes. E, regressando a Ethan Hawke, podemos parecer “bobos”, mas não há mal nenhum nisso. Aquilo que fazemos com convicção, fazemo-lo da forma como tem que ser feito.