Quem anuncia o desgaste da democracia pela sua prática tenta um passe de magia recorrendo aos medos de quem se sente marginalizado. Escutar todos é uma forma de combater a ameaça de obscurecimento na nossa sociedade.
Quando vivemos isolados é fácil termos a sensação de que ninguém pensa como nós. Na vida em sociedade temos a possibilidade de encontrar mais quem veja, pense, sinta o que sentimos, permitindo-nos unir esforços com outros para que essas sensações se transformem em propostas. Mas também é nesse campo público que vamos perceber o que os outros pensam. Aquilo que os outros pensam não gera, necessariamente, uma guerra constante entre pontos-de-vista. A democracia oferece-nos as ferramentas necessárias para que cada um expresse as suas ideias e as possa desenvolver no campo dialético, acrescentando à sua posição inicial a acomodação de princípios que conjugue uma vida em sociedade que abarque as diferentes sensibilidades existentes.
A maior benesse do discurso em democracia é saber o que as pessoas pensam. Porque essa sabedoria oferece-nos a riqueza de poder fazer o nosso caminho, crescendo e evoluindo na construção de uma sociedade mais justa e abrangente. Nesta conjugação de ideias diferentes está a pureza da democracia, que não corre o risco de se desfazer por excesso, ou seja, a prática democrática não leva à sua extinção. Olhemos para o caso como para um jogo. Na democracia todos os cidadãos participam em igualdade, propondo, criando e desenvolvendo leis. A força da maioria exerce-se em quadros claros de participação, através do voto ou da participação direta. Umas vezes perde-se, outras vezes ganha-se, mas a essência do jogo não é subvertida pela sua prática.
O que não significa, no entanto, que esse jogo não possa ser atacado na sua essência por quem pretende destruir a democracia. Quando uma força política tem como prática e objetivo a destruição do campo democrático existente. Fá-lo através da mistificação da informação. Transforma impressões em leis, dispensando os factos. Questiona os pilares da democracia, procurando assentar forças em situações que ofereçam mais voz a uns do que a outros. Passeia-se pelo campo mediático queixando-se da falta de atenção que esse mesmo campo lhe oferece, anunciando uma constante novidade no que é, apenas, a mudança das moscas e não do lugar onde assentam. “Agraciando” apresentações de candidaturas em espaços onde a opinião de uns é transformada em guerra cívica contra outros.
Acho fundamental ouvi-los, compreendê-los, desconstruindo essa montagem que é, em si, um ataque à própria democracia. Fundamental porque é um discurso que atrai quem, em última análise, acabarão por ser os mais prejudicados por uma vitória de uma sociedade desigual. O perigo que corremos na Europa não é o de considerar uma ideia de sociedade atacada por aqueles que chegam - essa sempre foi a força da nossa cultura. O perigo que corremos é o de considerar que as nossas conquistas precisam de ser limitadas para que o mundo repouse numa ideia petrificada, negando a evolução para que a complexidade não seja vista como um problema para os negacionistas. Uma espécie de obscurecimento ronda e ameaça, vendendo-se como alternativa. Escutemo-lo bem para saber como o combater.