Herança existencial e decisão

Não somos nós que escolhemos o momento de receber uma determinada herança, muito menos quando a estamos a receber desde que nascemos. Parece contraditório, e se calhar é, mas demoramos muito tempo a entender aquilo que nos faz, o que é mais basilar na frágil construção de se ser humano neste mundo. 

A nossa vida pode ser como um jogo de ténis jogado por um jovem talento acabado de chegar ao circuito profissional. Em determinados momentos, brilham capacidades que poderão fazer de nós grandes. Logo de seguida, um erro deita por terra o esforço daquele ponto. No geral, caminhamos mais incertos que seguros em relação ao que podemos (ao que tentamos) alcançar.


Quando percebemos encontrar esse fio condutor que nos traz, desde pequenos, numa linha que é mais incoerente por aparência do que por definição, conseguimos entender muito melhor aquilo que nos transporta para as decisões que tomamos. Percebemos como é inaceitável mantermo-nos onde não somos entendidos pelo todo que podemos representar. Percebemos como não podemos ser apenas uma parte de nós. 

Penso nisso ao entender a forma como os meus dois avôs me influenciaram a vida toda. A insatisfação permanente do meu avô Joaquim. A tenacidade brincalhona do meu avô Tiago. Tenho-me habituado a medir os caminhos que faço pela memória que tenho destes dois. A entender por aí as minhas fragilidades, a perceber melhor as minhas forças mas, sobretudo, a perceber-me muito melhor na complexidade do ser humano. 

Fazem-nos falta essas referências. Faz-nos falta essa herança existencial e é tão importante demorarmo-nos o tempo que tivermos que demorar para a encontrar, a enquadrar, a alimentar em nós. Nesse percurso, percebo melhor a forma como não aceito os lugares onde não me sinto bem. Não já com medo de parecer contraditório, mas com a calma de quem se vê objetivo.