Notas para a história do último ano

Passou um ano. Março de 2020 vai ser, para sempre, a história de um momento de entrada num período que ninguém antecipou. Se a literatura ou a ciência tentaram prever situações semelhantes, nunca nada é como vivê-las por dentro. Como um enorme tremor de terra começou lá longe, sentimos a aproximação, pensámos que passaria depressa, mas ainda não sabemos qual o tamanho da destruição causada. Não nos interessa muito pensar se o mundo mudou. Nenhum de nós ficou igual e a história da pandemia será sempre um somatório de pequeníssimas experiências pessoais que acabarão a modelar a forma como o mundo sairá às ruas no dia em que este coronavirus estiver controlado.

Foi um ano estranho, não necessariamente mau, não necessariamente bom. Diferente em quase tudo daquilo que havia planeado. Viagens que não se fizeram, pessoas que não se encontraram, momentos profissionais que se não proporcionaram. Um aprender a viver os dias de um outro ponto de vista, não que o ficar em casa fosse uma novidade, mas que o ficar em casa sem outra perspetiva que não a de esperar que o tempo certo passasse. A construção de uma rotina, o deteriorar dessa rotina, a reconstrução dos tempos, ditos, normais. O chão que se fez novo no caminhar pelas redondezas da minha cidade à procura de mim próprio. Um reencontro com as minhas memórias e as memórias da minha família que me fez um pouco outro, sendo o mesmo. 

O ano ainda não acabou e as mudanças também não. Agulhas que, entretanto se acertam no seu vagar. A crise da pandemia que se transforma em crise económica em crise social em crise humana. A necessidade de encontrarmos respostas para todas as coisas que nos parecem injustas, para todas as forças que parecem faltar-nos. A necessidade de fazer as coisas que têm que ser feitas, mesmo que, uma vez mais, o que é melhor para nós nem sempre ser o melhor para todos. Março de 2021 pede-nos isso, esse passo. Para que tudo aquilo que acabar por ficar igual, não o fique por falta de tentativa nossa para o mudar.