Cresci a ver-me como leitor, com quem assiste as coisas acontecerem. O verso que dá título a este artigo li-o, pela primeira vez, numa exposição na Biblioteca Municipal de Torres Vedras, à altura dos meus olhos, a despertar-me para algo que eu compreendia abrir-me novos horizontes, mesmo que, na sombra do corredor que dava para um pequeno jardim, eu ainda não soubesse bem o que seriam.
Cresci a ver-me como aquele que vê, nem sempre muito seguro de perceber a forma de participar. Esse caminho seria só mais tarde entendido como uma preparação para poder ser diferente daquilo que era enquanto crescia. Por vezes as coisas tendem a parecer-nos muito mais complicadas para nós do que para aqueles que estão à nossa volta. Mas muito perto pode não ser o suficiente para entender exatamente o que acontece dentro de uma pessoa.
Pintura de Edward Hopper |
Como alguém que vê, a minha maior ânsia sempre esteve no perceber como funcionam as coisas do mundo. Tentei fazê-lo pela literatura, tentei fazê-lo pelo desporto, tentei fazê-lo pela política. Se algo percebi é que nada existe no mundo que possa funcionar sem tudo o que o rodeia. É essa a força invisível de tudo o que sentimos em volta. Essa ligação entre o que parece não fazer sentido estar ligado.
Se a minha participação partidária se fez, até aqui, com o PCP, isso não significa que a minha participação política não se tenha sempre feito na procura de pontes de encontro entre aqueles que sentiam que algo havia que mudar. Na forma como me comportei na escola e na faculdade, na forma como me comportei no meu trabalho, na forma como me comportei na minha ação pública.
Se algo entendi desses gestos é que está no nosso poder algo fazer para mudar o estado das coisas. Quando nos entendemos com um professor para tornar as aulas mais perceptíveis. Quando conversamos com um colega para sentir que há a possibilidade de criarmos uma revista. Quando nos sentamos numa reunião de direção de uma associação e percebemos que pessoas diferentes podem criar algo em conjunto. Quando procuramos defender aqueles que, no nosso trabalho, têm menos voz.
Essa é a força dos coletivos em que nos inserimos. Essa é a sensação de completude que nos invade quando abordamos os desafios que sentimos ter pela frente. Mas também é certo que nenhum sentido faz pertencer a um coletivo que não nos enquadra. Nenhum sentido faz mantermo-nos presos ao que um dia sentimos ser uma solução, quando as condicionantes e o contexto da vida nos leva para outras direções.
Sempre que olho para trás, para o meu percurso, encontro esse sentido na forma como as diferentes coisas se tocam e se fazem evoluir. A escrita como uma forma de expressão de um outro mundo possível. O desporto como um teste à organização das coisas no mundo. A voz como a necessidade de expressar o meu lugar no mundo. As pontes, sempre as pontes, porque se cresci como leitor, há tempos percebi, sem espaço para grandes dúvidas, de que me faço homem como escritor, como quem faz acontecer.
Daí a comunhão desse verso do Manuel Gusmão, no longo poema “As posições do leitor” - o leitor escreve para que seja possível. E é mantendo-me no universo destas palavras, que nunca mais deixei de ter presentes, que vos digo. Isto aqui sou eu, em 2021, a fazer o que sinto como certo.