Qualquer coisa de esquerda - Pedro Nuno Santos, prática e teoria de diálogo no poder executivo

Pedro Nuno Santos poderá não estar mais perto de vir a liderar o PS, mas faz o seu caminho para se tornar incontornável no caminho de ascensão ao poder das próximas lideranças. Neste texto, reflete-se sobre programas políticos para o Século XXI, construção de pontes à esquerda e tensões entre prática e teoria no poder executivo.

Ao contrário de Nanni Moretti no filme Abril não precisamos de ficar, em frente ao televisor, a pedir que nos digam qualquer coisa de esquerda. Pedro Nuno Santos, participando num evento da Juventude Socialista transmitido online, anunciou um programa sob o título "Desafios do Socialismo Democrático no Século XXI”. A minha memória pode não ser totalmente fiável, mas ver um ministro em exercício dizer tanta coisa de esquerda é algo de raro na nossa história recente, mas que tem vindo a ser reforçado através de outras intervenções do atual Governo. 

O programa de Pedro Nuno Santos assenta bases em nove princípios. A dignificação do trabalho, o reforço do movimento sindical, a ampliação dos serviços públicos, a aposta no parque habitacional público, proteção aos idosos, resposta pública nas creches, reforma da Segurança Social e atenção aos novos desafios do trabalho digital e política ambiental. A generalidade destes pontos dialoga com a herança da esquerda socialista e com os partidos à sua esquerda, PCP e BE, que serviram de base de apoio orçamental na primeira legislatura de António Costa.  

A estes pontos, acrescenta Pedro Nuno Santos uma questão estratégica na definição da conquista de eleitorado com vista à manutenção do poder. “O centro conquista-se à esquerda”. E esta questão parece-me central na configuração eleitoral à esquerda, porque sendo certo que o PS esteve sempre mais perto da maioria quando adotou um discurso mais ao centro, também me parece claro que o governar em maioria de um só partido é, hoje, um quadro distante e não alcançável, seja à direita, seja à esquerda.


Diálogo das esquerdas, um princípio 

No fundo, um Pedro Nuno Santos faz mais pelo diálogo das esquerdas do que qualquer livre iniciativa de reunião das mesmas através de novos movimentos. Isso fica claro na forma como o seu discurso é estruturado para criar essas pontes com outros partidos, respeitando e defendendo as diferentes características e ideias que suportam. Mas também sai sublinhado da forma como muitos comentadores reforçam como fragilidade este tipo de discurso. Não é. Poderá ser um entrave à chegada de Pedro Nuno Santos à liderança do PS, mas o reforço desta via dentro do partido mais votado à esquerda é, sem dúvida alguma, uma necessidade de futuro e algo de incontornável na discussão das próximas lideranças. 

Por outro lado, Pedro Nuno Santos sentirá já que, para que essas pontes com PCP e o BE possam transformar-se em caminho, o discurso programático não chega. Essa é a grande tomada de consciência que o poder oferece (e que nem todos aproveitam). Não se governa através do discurso programático, mas sim através da confluência de forças com a agenda contextual que cada período histórico apresenta, com a realidade dos mercados privados e das respostas públicas que estes exigem e que os podem enquadrar. A prática necessita de teoria, mas a teoria faz-se, acima de tudo, de uma envolvência quotidiana de governo. E a leitura das suas palavras será, sempre, encarada debaixo da régua daquela que é a sua atuação como ministro.

Também por isso, mais importante do que a formalização de um qualquer “pedronunismo” é a visão de que dentro dos partidos mais próximos do poder se pode pensar uma política de esquerda. É um ponto de base perante as tensões, os conflitos e os desafios de uma governabilidade que exige constantes compromissos, de forma a não esquecer e, acima de tudo, a enquadrar, as necessidades e as ambições de uma maioria que, independentemente das suas opções nas urnas, saem beneficiadas com estas políticas.