Com o direto me enganas

O acontecimento em direto procura corresponder à necessidade de novidade constante em que vivemos. O direto parece trazer um imediatismo que nos consola, a ideia de sermos os primeiros a ver, estar “mesmo” onde as coisas acontecem. Não deixa, no entanto, o direto, de ser uma ilusão. 

A principal ilusão é do de “estarmos lá”. Não estamos. O direto, chegue-nos pela televisão, pelo computador ou telemóvel, é sempre um ponto de vista de uma câmara ou um conjunto de câmaras. Esse ponto-de-vista impede-nos de ver todo o contexto do local onde acontecem as coisas, afetando, diretamente, a forma de estar naquilo que acontece.

O direto oferece-nos, ainda, uma outra discrepância com os acontecimentos. Impele-nos a criar a nossa versão do acontecimento, no imediato, afastando-nos da reflexão sobre aquilo que acontece. Ver em direto impede-nos de pensar o que estamos a ver. “Está visto”, o que leva a um arquivamento precoce do que passa perante os nossos olhos. 

Sente-se esse engano do direto nos jogos de futebol a que assistimos. O ter visto um jogo quase nunca garante que o vimos de forma atenta e concentrada, compreendendo todos os eventos desse jogo. Sentiu-se esse engano, também, de forma imponente, na prestação televisiva de Ivo Rosa com a leitura da decisão instrutória da Operação Marquês, pela incapacidade de retirarmos do aparato legal um entendimento do que se passava. 

As muitas leituras que se seguem, e falo das que tentam mediar as informações retiradas do acontecimento, não aquelas que se aproveitam e abusam das lacunas do imediatismo para promover um outro acontecimento que se sobrepõe ao direto como uma abstração a partir da desatenção e desconhecimento, ajudam-nos a perceber as lacunas do nosso entendimento. Mas ter tempo para essa auto-crítica, quem tem, se daqui a nada começa um novo direto?