Todos os dias são dias de livros

Os livros, para mim, sempre foram um elemento natural da casa, que cedo se transformaram num elemento natural da vida, pelos caminhos que comigo faziam, pela necessidade de, onde quer que fosse, levar um livro comigo. A ânsia com que esperei a entrada na escola primária estava toda relacionada com os livros, as letras já as havia aprendido a copiar dos jornais, era preciso encontrar o sentido maior das coisas para que começasse, então, a ler os livros, sinal de que me aproximava da gente adulta, mas sobretudo vereda por onde me aventurava a conhecer aquilo que me era desconhecido. 

Os livros, sim, como um ponto de fuga que me levava a clareiras onde tudo se expandia de outra forma. Daí bem cedo a vontade de ler sobre o que me estava além, um verão pleno de leituras de policiais, depois a entrada nos clássicos, pelos 15 ou 16 anos, com Gabriel García Márquez, que parecia transformar a vida dos dias normais em potenciais mágicos. Ao passo seguinte, descobri Milan Kundera, e durante anos percorri essas linhas com que se cose a realidade e a impressão que temos dela, pedaços de texto que ainda hoje me acompanham na forma como procuro ver o mundo. 

A imensidão das possibilidades que me ofereciam os livros não as encontrei, no entanto, numa livraria, nem mais tarde na internet. Descobri-a numa Biblioteca Municipal que me permitiu passar horas entre corredores de livros, dedicar-me a ler quase toda a poesia disponível, enquanto me divertia a transportar para casa livros de contos, ensaios, filosofia, religião e algumas tecnicidades. Nesses tempos, da Escola Secundária à Universidade, onde outra Biblioteca me ia abrindo mais os horizontes, tudo parecia mesmo possível, porque às letras e palavras sucedia transformarem-se, transformando-me, em alguma coisa que eu queria ser.

Dos livros tive a sorte de os ter comigo enquanto estudante. Com os livros convivi nesses mistérios da sua criação. Lendo-os, escrevendo-os, preparando-os, editando-os. Dos livros fiz dia-a-dia, com os livros tive enormes desilusões, tristezas, zangas. Cheguei a sentir que os livros já nada tinham para me dar, o que me levou a procurar outros livros, a encontrar outros livros, a fazê-los meus na forma como os li e a fazer-me deles na maneira como me continuaram a dar pistas para conhecer além daquilo que eu já sabia.

Aos livros devo, por isso, quase tudo, porque com os livros sempre me fiz algo mais. E hoje, olho para a mesa ao lado do sofá e o que aqui tenho são livros, tão diferentes e distantes como todas as coisas em que penso ou quero perceber, como chaves de todas as portas que, no mundo, estão por abrir, como mapas de tesouros que, provavelmente, nunca serão descobertos. O importante não é a riqueza que se alcança, mas a inteligência que se usa e alimenta para a alcançar. E, seja onde for que isto me leve, haverão livros para me acompanhar.