Viver com os outros - conhecimento e visões ideológicas em combate

A vida em comunidade faz-se de cooperação e colaboração entre pessoas com diferentes saberes e conhecimentos. Para além de utilizarmos as nossas capacidades para desenvolvermos trabalho na área em que nos especializamos, através do estudo e/ou da experiência, necessitamos que outros, com diferentes áreas de especialização, nos ofereçam os seus conselhos e capacidades para nos ajudar a resolver problemas. 

Num estudo publicado em 2018, liderado por Joseph Marks e Eloise Copland, do University College London, os autores cruzaram as visões políticas das pessoas com as suas escolhas num momento de pedido de ajuda para resolver uma tarefa. O estudo comprovou que, em lugar de procurarmos quem demonstre maior capacidade para resolver a tarefa em causa, tendemos a procurar alguém que se acomode à nossa visão política.

O chamado “efeito halo” leva a que uma opinião negativa em termos ideológicos se espalhe por outras áreas do conhecimento. A tendência para categorizar a competência de uma pessoa pela sua visão política e ideológica transforma a busca do conhecimento numa espécie de aquário, onde mais importante do que reconhecer a qualidade das respostas, se tende a marcá-las por um preconceito ideológico que nos afasta, tantas vezes, de obter as melhores soluções para os problemas que vivemos. Essa questão pode ser particularmente sensível na forma de gerir questões de saúde. 

O professor Marcus André Melo, colunista na Folha de São Paulo, refere que “a rejeição do conhecimento científico e o anti-intelectualismo têm longo pedigree em setores iliberais, à esquerda (da noção de ‘ciência burguesa’ à revolução cultural) e à direita (da ‘ciência comunista à conspiração global).” Para este autor, no Brasil, vive-se o exemplo extremo de ceder à crise sanitária só para escapar a soluções que são enviesadamente categorizadas. 

É por demais óbvio, nos tempos das redes sociais, que as nossas opiniões são condicionadas por uma vivência em bolha. As opções que tomamos no que toca às pessoas que seguimos, às notícias que lemos, e a forma como o fazemos, tendem a criar a ilusão de um mundo que não se confronta, nunca, com a opinião oposta. Esse mundo tende a conter largas fragilidades no que toca ao acesso ao conhecimento. Sem contrariedade, sem debate, o conhecimento estagna, fixa-se em respostas repetidas, carece de confrontos produtivos. 

Por isso se torna necessário que, na construção da comunidade, essa abertura para o conhecimento e para a ciência, se separe do preconceito ideológico e se alimente dessas diferentes visões para encontrar e construir novas soluções. O reconhecimento das nossas tendências será um primeiro passo para nos obrigarmos a ver o mundo através de outros pontos-de-vista. Os dos outros. 


O estudo “Epistemic Spillovers: Learning Others’ Political Views Reduces the Ability to Assess and Use Their Expertise in Nonpolitical Domains” está publicado no site da SSRN

A coluna “A ciência tem lado?” de Marcus André Melo foi publicada no Folha de São Paulo de 5 de abril.