Migrantes, jornalismo e direitos humanos

O Covid ajudou a destapar a realidade com que convivíamos. Milhares de trabalhadores migrantes que encontram na Região Oeste um porto de esperança para terem uma vida melhor. Repetem um movimento histórico que levou muitos portugueses a procurar a mesma esperança no estrangeiro. O meu avô materno e os seus irmão fizeram-no, na Alemanha, na França e no Canadá, em condições que vi mais tarde retratadas em reportagens da época - das palavras dele, essas dificuldades eram sempre mascaradas pelo que de bom eles tinham permitido. 


A reportagem do Jornal Expresso de hoje volta a colocar, também, o jornalismo como peça essencial da nossa democracia e do conhecimento das nossas realidades. Para quem vive no concelho de Torres Vedras, a chegada de muitos destes trabalhadores estrangeiros tornou-se visível há já alguns anos, com o aumento do seu número a levantar as questões sobre a habitação, as condições de vida e a capacidade de integração dos mesmos na comunidade. Dos 4200 migrantes oficialmente registados, é fundamental saber como e onde vivem, quais as necessidades que têm, quantos outros, não registados, estarão entre eles escondidos.

Porque os discursos anti-imigração têm servido, sobretudo, para permitir este tipo de situações degradantes de direitos humanos. Esse discurso tem servido para transformar a vítima em algoz, não criando as condições necessárias para que os trabalhadores necessários à produção possam viajar e viver sem estarem sujeitos à criminalidade dos que aproveitam as sombras para fazer o seu negócio. Essa visão tem-se apoiado, ainda, na ideia de que os portugueses não querem fazer determinado tipo de trabalhos, uma conversa que também já têm décadas de história noutras paragens. O que acaba por justificar que muitos estrangeiros acabem a fazê-lo sem os direitos e as condições devidas. 

Nestes tempos de chegada do tema dos direitos humanos ao prime time noticioso, muitos se apressam a repetir o mantra “isto não é Odemira”, uma espécie de “Je suis Odemira” mas ao contrário, pegando no pior exemplo para salvaguardar a mínima dignidade do nosso lado. No entanto, é bom perceber que estamos todos em Odemira. Todos estamos na iminência de nos encontrarmos com a pior face do ser humano, ao nosso lado, a crescer perante a nossa passividade e ignorância em relação ao outro. E é disso que não nos podemos esquecer na construção do nosso futuro.

A peça do jornal Expresso pode ser consultado na edição desta semana.

No site da RTVON outro artigo sobre o mesmo tema. 

No site da ONfm também artigo sobre o tema.