Existem muitas coisas a acontecer ao mesmo tempo e só muito mais tarde somos capazes de processar tudo. Vinte e cinco anos, canta de aniversário Beck Hansen, que a 18 de junho de 1996 lançou o álbum “Odelay” e entrou de rompante na vida de tantos que não sabiam ir ali encontrar algum tipo de ensinamento sobre o como estar vivo. Um dia depois (mas não tanto, porque a música terá que cá ter chegado, pelo menos, umas boas semanas mais tarde), Portugal batia a Croácia por 3-0 no fim da fase de grupos do Europeu disputado em Inglaterra e a felicidade luso-futebolística parecia possível em grandes provas internacionais.
Nesse fim de tarde saía eu à rua, rumo ao mar, em Santa Cruz, a ler uma carta que me chegara entretanto, nesses tempos pré-internet. Cartas que se escreviam entre pessoas que assim se conheciam e, tal como sempre na história da humanidade, se entendiam, se encantavam, se toleravam e acabavam, inevitavelmente, por se chatear. A última carta desse remetente trouxe-me uma moeda dentro, um pagamento de uma discussão sobre selos postais reutilizados, que por obra e graça da esperteza de um funcionário dos Correios tinha sido identificado. Moeda que, por orgulho ou preconceito, acabei por nunca utilizar, colando-a dentro de uma gaveta de um armário de casa da minha mãe, ficando aqui explicada a história para algum arqueólogo caseiro do futuro.
Vinte e cinco anos e já Beck Hansen cantava que só o Senhor sabia como estava a ficar tarde, coisa que naquela altura eu não tinha ainda como perceber. Já passou algum tempo, na verdade, mas isso ainda parece pouco provável. Afinal envelhece-nos o corpo, acumulam-se as vivências, mas ainda teremos tempo para mais qualquer coisa, isso é seguro. Qualquer coisa que não esperamos, como uma equipa que chega à derradeira jornada sem pontos somados e numa noite de heroísmo goleia e classifica-se, em segundo lugar do seu grupo, para os oitavos-de-final. Inevitável sermos todos um pouco dinamarqueses, para acreditarmos que, quando conseguirmos processar tudo aquilo que nos acontece, ainda haverá razão para um último salto de alegria.