A Europa é redonda (17)


Não há jogos fáceis. Pelo menos para quem os joga. Do lado de fora, reina a possibilidade da teoria. Mudar aqui, mudar ali. Entender tudo no momento certo. Recuperar rapidamente a organização mental perante a emoção. Não. Não há jogos fáceis. Quando estás dentro de campo, a lógica tende a inverter-se. Por isso estão lá os melhores, sem grande tempo para teorizar no momento em que a bola chega perto da área. Ou se preparou tudo para o que acontece ali, ou o erro é inevitável. E, para quem está de fora, imperdoável.

Tudo aquilo que é certo acaba por se desacertar. Todo o amor que é eterno encontra uma pedra onde tropeçar. Nada é para sempre, muito menos numa competição de curta duração. Também por isso o futebol é tão interessante - quase tão interessante como a vida, ainda que a vida fuja sempre aos acertos de calendário. Quando esta os tenta, olhamos de lado, procuramos as arestas, para perceber o que afinal levou a esta tentativa de reorganização em curso da memória. O adepto prefere sempre esquecer. O analista está sempre a esforçar-se por lembrar. Duas faces da mesma moeda. Nem sempre barata. 

Há jogos que demoram muito tempo a encontrar-se. Tal como textos demoram muito tempo a escrever. Dias de descanso que soçobram pelo cansaço. Ritmos normais que se invadem de ansiedade. Equipas que se desfazem a partir de um lance. Contextos que mexem até com aquilo que parece petrificado. Não há muita diferença entre o jogo e a vida - se é que ainda não perceberam. Mas também ainda há muita gente que não percebe como ou porque está vivo. E está tudo bem. Está mesmo tudo bem. Do lado de fora, cantamos e rimos. Do lado de dentro, vamos a todas.