A Europa é redonda (18)


Fernando Santos acabou eliminado por Fernando Santos. Entre Portugal e Bélgica, duas equipas cheias de jogadores muito talentosos. Duas equipas para quem seria uma enorme desilusão ficar pelos oitavos-de-final do Euro 2020. Daí todos os cuidados com que o jogo se desenrolou. Todos sabiam que não poderiam errar. Todos sentiam que do outro lado estava uma equipa que saberia o que fazer ao apanhar-se a vencer. A Bélgica, sabendo exatamente quais as suas forças. Portugal ciente de que poderia saber como decidir. O golo surgiu de um remate de trajetória enganadora de Thorgan Hazard. Mas esse remate surge da procura de uma das principais forças belgas: a capacidade de Romelu Lukaku controlar a bola e oferecê-la em condições de jogo aos seus companheiros.

Fernando Santos fez o que pôde. Na verdade, desde que chegou ao comando da seleção nacional, foi isso que Fernando Santos fez. Um homem que consegue encontrar forma de montar um grupo que se vai despindo daquilo que faz nos respetivos clubes para cooperar com vista a um objetivo. A capa de A Bola hoje relembra uma célebre frase. Teremos sempre Paris. Foi em Paris que essa capacidade de Fernando Santos se expressou de forma mais elevada. Mas aquilo que nos faz ser campeões europeus não é aquilo em que nos transformamos quando somos campeões europeus. A forma como continuamos a ver crescer jogadores de qualidades inegáveis nas melhores equipas do mundo leva-nos a exigir que a nossa equipa tenha também essa organização. Mas se o talento se pode expressar num golpe de asa, a organização não cai do céu. 

É no momento da maior dificuldade que mostramos aquilo que somos. Há apenas um dia, Roberto Mancini via o favoritismo italiano esboroar-se na capacidade de trabalho dos austríacos e mudou sempre dentro daquilo que reconhecemos à sua equipa. Manteve estrutura, procurou aumentar velocidade de passe, chegou ao golo num movimento trabalhado vezes sem conta pela equipa. Ontem, Fernando Santos, a perder ao intervalo e encontrando espaço para crescer ofensivamente, saiu do 4-1-4-1 para o 4-1-2-3, com Bruno Fernandes mais próximo da sua posição no United e João Félix com liberdade para procurar espaços entre linhas. Mais tarde, libertou Cristiano Ronaldo da área com a entrada de Sérgio Oliveira. No final, chamou Pepe para o ataque. Tentou tudo, forçando os jogadores a encontrar por si o caminho para a baliza. A maioria dos remates vieram então fora da área. Os muitos cruzamentos não chegaram ao sítio certo. 

Pode sempre dizer-se que a bola não quis entrar, que é o futebol. Mas quem tem um plano perde-se muito menos em campo do que quem se preparou para o pior.