A pessoa com quem mais jogos vi no ano de 2004 foi a minha avó Lúcia. Tudo começou com os oitavos-de-final da Liga dos Campeões, FC Porto a jogar em Manchester, jogo de sofrimento até aos minutos finais. Fiquei por casa a ver o jogo, com a minha avó sentada no sofá ao lado, a ver o Costinha marcar aquele golo que nunca mais esqueceremos. Deu sorte. A partir daí, todas as quartas-feiras de Porto na Europa foram com as duas poltronas da sala ocupadas. Eu de um lado, em frente à televisão. A minha avó ao lado, distraída entre as minhas reações, o que acontecia no jogo e a vida dela. Quando o Porto levantou a Taça em Gelsenkirchen, a nossa dupla funcionava tão bem que já parecia fácil ganhar jogos.
No primeiro jogo do Euro 2004 quebrei a recente tradição e fui para o café ver o jogo. Portugal perde, alto e pára o baile. Voltemos às contas que batem certo. Jogo com a Rússia, em casa, ganhámos. Espanha, Nuno Gomes, feito. Os penáltis frente a Inglaterra, a minha avó preocupada com a saúde do Eusébio e o Ricardo nem precisou de luvas para somarmos mais uma. Holanda, nas meias-finais em que o Maniche enganou o realizador da partida. Perfeito. Naquela altura já pensava que nunca mais iria ver um jogo importante na minha vida que não fosse ao lado da minha avó. Era a conjugação perfeita. Foi a Grécia e o Charisteas que nos trocaram as voltas. A 4 de julho de 2004, ia-se o Euro e ia-se também uma dupla inquebrantável na resolução de jogos internacionais.
A minha avó faria hoje anos, a 18 de junho. Seria dia de festa. A minha avó que nunca me ouviu a falar de futebol na televisão, mas que muito me aturou por eu parecer, tantas vezes, não querer saber de outras coisas. As horas a jogar à carica no chão da sala dela. Os jornais e as revistas que se acumulavam. As conversas intermináveis, tantas vezes comigo mesmo, enquanto via os jogos. Se calhar ela já sabia, antes de mim, o que eu iria ser. Hoje, tenho a certeza, ia continuar a gostar muito de me ouvir.