Com quem vamos falar?


Os governos podem mudar, começar de novo, mudar as condições da sua existência. As pessoas não. No fundo, é essa a distância que se cria entre as pessoas e os deputados na Assembleia da República. Simplesmente, a vida das pessoas não muda de um dia para o outro. Nem mesmo com as medidas decididas num qualquer orçamento. Tudo demora imenso tempo. E, entretanto, precisamos de continuar a ter alguém com quem falar. 

No dia em que o Orçamento de Estado deverá ser chumbado, é esse vazio do diálogo que mais incomoda. Porque para a maioria da população, quer em 2015, quer em 2019, a necessidade de mudança falava mais alto. O desejo de um discurso diferente do que aquele que nos tinha conduzido entre 2011 e 2015. A necessidade de um sinal de esperança. Essa coisa difícil de encontrar nos nossos dias de crise aparentemente eterna. Porque, apesar de tudo, é necessário que exista alguém com quem possamos falar. 

A abertura do círculo de governação ao PCP e ao Bloco de Esquerda, em 2015, veio agravar o preconceito existente entre blocos ideológicos. Conjuntos que, nos nossos dias, já não são mais do que um clubismo um tanto ou quanto bacoco. Em nenhum dos partidos existe uma pureza ideológica que torne todos os seus militantes e votantes numa força consistente e igual. Quebrar essa ideia de blocos é de uma necessidade vital para podermos continuar a gerir este país em constante crise. Porque será a falar que encontraremos as soluções para os problemas que nos travam.

Não faz sentido que o PS faça a gestão quotidiana no Parlamento ao lado do PSD e só negoceie orçamentos à esquerda. Não faz sentido que na discussão com o PCP e o Bloco de Esquerda se mantenha como um pai tirano que fala com quem nada sabe. Não faz sentido que a Esquerda acredite que na rua vai conseguir ter maior influência nos destinos do país do que com um Governo com quem possa dialogar. Não faz sentido que se continuem a alimentar divergências quando quase tudo tem resolução em maiorias na Assembleia, excepto um acordo sobre quem tem o ceptro do poder. Também por isso faria mais sentido um Governo cair numa Moção de Censura ou Confiança. Porque aquilo que está em discussão é quem vai mandar quando chegar mais dinheiro da União Europeia. Nada a ver com a vida das pessoas que, amanhã, vai continuar igual e, infelizmente, sem ter com quem falar.