Uma política para o Século XXI: A atração pela situação concreta


Finalizado mais um período eleitoral, vemos o esforço que é feito, na análise dos principais meios de comunicação, para transformar um conjunto de resultados locais num efeito nacional. Esse efeito existe, sim, na forma como se constrói a narrativa noticiosa, transformando contextos específicos de pequenas porções de território em sinais de fumo que, passados quatro anos, nos levam a pensar como é que raio a Assunção Cristas foi alguma vez vista como uma hipótese séria para chegar a primeira-ministra. Mas, enquanto alguns se entretêm na leitura de búzios para conseguir encaixar resultados em conceitos pré-programados, a atração pela situação concreta é  a grande revolução cultural que vai transformando a forma como os cidadãos participam na vida democrática.

É, ainda assim, um caminho muito mais lento do que as redes sociais dominadas por nativos digitais procuram definir. Basta dedicarmos algum tempo à observação dos fluxos em mesas de voto um pouco por todo o país para perceber que a indignação no Twitter ou no Facebook não conduz, de forma imediata, a uma expressão coincidente num boletim de voto. Mas a tendência está aí na maneira como uma grande fatia da população encara o processo democrático. A noção de clubismo partidário vai-se isolando e sendo exposta à atração pela situação concreta, quer seja na forma como determinadas forças partidárias focam o seu discurso em temáticas de nicho, quer seja na maneira como o território responde de forma diferenciada a propostas concretizadas centralmente. 

A atração pela situação concreta é o mundo onde um crescente número da população vive. Na forma como é consumida a informação, na maneira como se romperam os convívios de proximidade no afastamento da vida dos cafés e das associações locais, no sentido em que se caminha para uma atomização do trabalho, das relações e da vida. A situação concreta tem muito mais peso do que uma análise global da vida do país na participação democrática e, nesse sentido, quem se lança à participação efetiva na vida cívica, terá que perceber que o efeito desejado não se alcança através da dispersão, mas do foco nos problemas reais sentidos pelas várias fatias da populações. Se os meios mais massivos continuarão, por mais algum tempo, a servir à construção de uma dimensão faccionaria da vida democrática, lentamente cresce uma geração que se convence por respostas concretas aos problemas que identificam. E é a essas pessoas que os políticos do Século XXI terão que saber responder.