Convergência: o espaço que a esquerda não criou


Os sucessos alcançados em seis anos de entendimento à esquerda não foram suficientes para transformar a forma como se procura uma convergência entre aqueles que se situam à esquerda do espectro político. A defesa de um território comum a visões de gente de diferentes partidos e da sociedade civil é uma necessidade fundamental para o encontro de uma solução forte para o futuro do país.

Em 2019, Renato Miguel do Carmo e André Barata, defendiam que “aprofundar a democracia significa, por exemplo, acomodar a pluralidade de ideias e o debate sobre alternativas e propostas divergentes. Isto é, a convergência partidária à esquerda tem de criar condições para que a divergência política no campo progressista se expresse num espaço mais amplo, capaz de envolver pessoas e grupos exteriores a esses mesmos partidos. Sem esse envolvimento da sociedade civil, os partidos que compõem a «geringonça» correrão um sério risco de se enquistar em si próprios, em relacionamentos de poder meramente institucionais e ritualistas afastados do mundo da vida e da pólis.” 

Ainda que as análises das relações se foquem, quase sempre, na forma como estas acabam, é fundamental perceber o que delas de positivo resultou. Assim aconteceu nos últimos seis anos, em Portugal, onde o entendimento entre PS, Bloco e PCP permitiu a criação de um horizonte de esperança de vivermos num país onde as soluções são criadas através das tensões de opiniões que diferem, em lugar de serem assumidas em falsos unanimismos que só visam o prolongamento no poder. Os avanços alcançados em diferentes matérias não terão sido suficientes para enquadrar um espaço de discussão que permitisse o aprofundamento das medidas, o delinear de um plano de ação e a conjugação de visões que mantivesse a tensão do diálogo como algo de produtivo. 

No fundo, enquanto ao nível parlamentar foi possível conjugar esforços para seis anos de governo, ao nível social e político não se construiu um campo de entendimento global entre as diferentes forças. As reações à queda do Governo demonstraram, para além do mais, que hoje em dia este campo não se prende com questões ideológico-partidárias, mas na forma como dentro de cada partido se vão definindo diferentes visões. Existe espaço para fora da escala do poder se continuar a desenhar soluções que permitam encontrar linhas de entendimento para uma social democracia radical, capaz de, ao mesmo tempo, estabelecer pontes para deter espaço de intervenção no futuro da governação nacional. 

Demasiadas vezes o nosso pensamento é ocupado por questões táticas e estratégicas delimitadas pela ideia de quem ganha. Mas a verdadeira mudança de rumo ao nível político acontecerá na cultura de quem ocupa os lugares de decisão. Uma visão de entendimento e abertura é essencial para que o diálogo frutifique. Daí que o caminho não possa começar por uma situação de não-diálogo para a imposição do mesmo. Construir soluções para os problemas da vida das pessoas em concreto é um trabalho que exige um certo despojamento inicial para o atingir de uma base com futuro. É isso que se exige às muitas pessoas que se situam, neste momento, num território de incerteza e de falta de identificação com as posições dos diferentes partidos da esquerda. O encontro do terreno comum para desenhar uma opção válida para os desafios que aí vêm.

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O artigo de Renato Miguel do Carmo e André Barata referido no texto intitula-se "Portugal: uma social-democracia com futuro?" e foi publicado na revista Nueva Sociedad