Num mundo onde temos acesso a todo o conhecimento, a forma como chegamos a ele é uma chave transformadora e essencial. Acesso não significa alcance. A nossa capacidade de alcançar informação mantém-se mais ou menos semelhante. Apesar de termos canais noticiosos de 24 horas, acesso a uma infinidade de sites e contacto com uma rede de pessoas muito mais alargada, entre dormir, trabalhar, ter algumas atividades de lazer e desenvolver a nossa vida familiar, o tempo acaba por ser o mesmo. Logo, a ausência de cânone informativo, a incapacidade de decisão sobre a qualidade daquilo que nos chega às mãos e a maneira como estamos, cada vez mais, constantemente empurrados para emitir opiniões sobre as coisas, gera uma espécie de caos na maneira como dialogamos uns com os outros.
No século XXI, o processo democrático é constantemente desafiado pela ausência de uma língua comum que nos una enquanto comunidade que pretende gerir-se. Essa falta de um aparato comum que enquadre uma só visão do mundo, sente-se na maneira como, nas diferentes áreas de interesse, é hoje possível desenvolvermos o nosso corpo de especialidade sem tocarmos pontos de associação dentro dessa área. Comigo, aconteceu na literatura, quando chegando à Faculdade de Letras de Lisboa, no final dos anos 90, percebi que nem toda a gente tinha lido os mesmos livros, nem toda a gente tinha as mesmas referências, embora a generalidade dos professores assim o esperassem. Estávamos no início da era da internet e, a partir daí, isso só se agravou. Já não haverá volta atrás.
Descer ao local é uma maneira de conseguirmos responder a estes desafios. Numa recente entrevista, Daniel Innerarity defende que “todos os problemas globais - contaminação, pobreza, desigualdade, educação - acontecem nos bairros. Os problemas globais não acontecem no cenário global porque essa coisa não existe; o que existe são cenários concretos”. Procurar o território onde nos podemos ligar de maneira concreta é o caminho para a resolução do caos, sem que existam soluções milagrosas, mas onde se podem desenvolver processos de entendimento que nos levem a formalizar respostas satisfatórias para os desafios da democracia.
Muitos defendem que a solução para estes desafios se define com a limitação do acesso à informação, mas num mundo de aparato tecnológico tão desenvolvido, a forma como se exercem limitações é muita vezes transformada em autoritarismo. Ora, o esforço para calar nunca será tão eficiente como o gasto de energia em compreender aquilo que nos rodeia. Perceber que vivemos em planos paralelos, com um apelo constante ao contacto, ajuda-nos a compreender melhor o caminho que existe a fazer. A maneira como se intervém, o carácter que se revela em cada gesto, a justeza dos posicionamentos em cada situação acabam por responder de forma muito mais evidente às questões que hoje temos do que um discurso que procure simplificar os quadros concretos com que nos deparamos.