O poder ou as ideias: uma questão pré-eleitoral


A discussão e o chumbo da proposta de Orçamento de Estado para 2022 em Portugal leva-nos a pensar na forma como, dentro dos partidos, se discutem as diferentes sensibilidades que estes reúnem. O voto é uma simplificação de várias posições e negociações, mesmo que apareça perante a opinião pública como um gesto de unidade. Perde-se, na simplista análise do resultado, a diversidade ideológica que, necessariamente, cada agrupamento carrega em si e alimenta a sua existência. Ora, para a grande maioria dos eleitores, não militantes, essa simplificação gera confusões e acaba por ter um forte impacto na maneira como se identificam com os partidos em que confiaram. 

Juan Rodriguez Teruel, professor de Ciência Política na Universidade de Valência, identificou num artigo escrito no El País, que quando as perspetivas de sucesso de um partido são boas, a sua diversidade ideológica acaba disfarçada em congressos que se transformam em “atos ecuménicos vividos como festivais da militância”. Ora, o que realmente acontece é a captura, pelo poder, da diferenciação ideológica, gerada a partir de momentos de suspensão da discussão interna nos partidos. 

A insatisfação com esta situação gera ondas que, ao longo dos anos, levaram a movimentos de fragmentação e união de pólos políticos. À esquerda, com a formação do Bloco de Esquerda. À direita, com a criação da Iniciativa Liberal e do Chega. As diferentes tradições têm gerado uma maior dinâmica na vida dos partidos, o que vai encontrar-se com a tendência atual de cada pessoa procurar quadros de identificação mais definidos e encerrados na escala dos seus interesses (o que levou até à criação de partidos como o PAN). 

Ora, se a maioria dos eleitores e, arrisco, um grande número dos militantes dos diversos partidos têm dificuldades de identificação com as decisões dos seus partidos, exigem-se novas formas de organização e discussão pública de propostas. Os grandes blocos do passado, que são hoje o PS e o PSD, mantém-se como grupos de interesse no acesso ao poder, sendo difícil diferenciar as suas posições do ponto-de-vista ideológico (a não ser na fixação histórica de parceiros com quem aceitam dialogar). O desenvolvimento da democracia e a sua aproximação às pessoas exige que, por um lado, exista uma maior clareza nas tomadas de posição, mas, sobretudo, se entenda que a vida se desenvolve muito mais através do acesso e resolução de pequenos problemas do que nos braços-de-ferro de quem procura vitórias eleitorais. 

É nesse intervalo que o foco da política deverá procurar assentar-se. Através de momentos de proximidade alimentada a partir das estruturas do poder local, do desenvolvimento de políticas de participação em escolas e associações, de entendimento de que a discussão pública se faz através do confronto de ideias e não de corridas ao poder. Em momento pré-eleitoral, quem melhor o souber preparar, mesmo que num curto espaço de tempo, melhor resultado acabará por encontrar.