Apesar de nos termos afastado da francofonia em termos culturais, o ambiente social francês continua a ser uma espécie de laboratório para a Europa, um território onde as tensões têm atingido situações de descontrolo constante, no cruzamento entre o discurso do poder e o discurso das ruas. O sistema presidencialista permitiu um certo individualizar da resposta às situações e foi um ponto de desagregação para as organizações partidárias, sendo que as ruas têm sido muito abertamente disputadas entre diversas fações ideológicas.
Os acontecimentos no comício de abertura da campanha de Éric Zemmour, candidato que agrega à sua volta um conjunto muito alargado de forças de extrema-direita, racistas, nacionalistas e anti-semitas, são uma espécie de aviso, repetido, à navegação europeia. Os episódios de agressões a jornalistas e a membros do SOS Racismo francês que se manifestaram no próprio comício são um novo sublinhar daquilo que está em causa por toda a Europa. A organização de forma sistemática de forças extremistas, violentas e autoritárias.
Como reagir perante estes acontecimentos continua a ser um terreno de dúvidas. Jean-Luc Mélenchon sugere que anos a manifestar-se contra o Front Nationale nada fizeram para o fragilizar, enquanto no podcast da BFMTV “Le Service Politique” se discutia a decisão editorial de manter a transmissão do comício através do sinal oficial da campanha de Zemmour quando, ao mesmo tempo, tinham imagens dos conflitos que aconteciam numa zona recuada do pavilhão. Para a generalidade dos franceses, as notícias da violência só chegaram depois de terminado o discurso do candidato.
É neste espaço alimentado por uma violência crescente na forma de atuar na política que hoje estamos. Um espaço onde o posicionamento radical apenas serve para reforçar um conflito que leve ao desejo da sua resolução pela autoridade. Uma manipulação das massas para estas se verem num enquadramento onde as respostas se simplificam e os “salvadores” aparecem para resolver os problemas que outros deixaram agravar. As muitas manifestações secundárias de violência (nos estádios, nas ruas, nas redes sociais, na comunicação social, no trabalho) acabam por ser eventos que apenas aproximam das pessoas aquilo que se encena na corrida ao poder.
Muitos imaginam este conflito como um braço-de-ferro, onde o mais forte vencerá. Mas aquilo que está aqui em questão não se resolve pela força, campo onde partiremos já em desvantagem. Pode começar a resolver-se, sim, se percebermos como reagir perante a escalada deste tipo de forças autoritárias, desmascarando interesses, obrigando a elaborar as respostas simplistas, colocando perante eles a necessidade de apresentar planos e estratégias que sejam aplicáveis na realidade. É, acima de tudo, uma luta pela forma de discursar, pela forma de debater no espaço público. E, essa luta, ainda pode ser vencida por quem o queira fazer a pensar e a conversar.