A programação habitual segue dentro de momentos


No dia 31 de janeiro ainda vamos estar todos cá. Vamos todos acordar, tomar pequeno-almoço, sair à rua para trabalhar, encontrar as pessoas que costumamos encontrar, ter as conversas e as necessidades e as prioridades que costumamos ter. Vamos estar todos por aqui com a necessidade de resolver os problemas que costumamos ter que resolver. É essa certeza que torna muitos dos momentos das campanhas eleitorais uma espécie de satélite distante da realidade das nossas vidas. Não nos interessa nada a gabarolice de quem tem o ganhar como o único objetivo. Não nos interessa nada os climas de guerra a preto e branco que se geram entre gente que não se preocupa em demonstrar a sua capacidade para dialogar.

As eleições servem para que indiquemos quem melhor nos pode representar. A campanha deveria ser um momento em que todos observamos os candidatos de diferentes prismas para entendermos quem seríamos nós no momento de entrar na assembleia. É, no fundo, um planeamento para treinar a nossa empatia. O que faria eu no lugar do outro, qual daqueles outros melhor fará o papel de me representar a mim. Estranho é, porém, que todo o discurso sobre campanha e ato eleitoral divague noutras direções. Sobre formas de conquistar o poder e sobrepor-se a adversários. A ideia de que “os portugueses decidem” quem ganha, como se os portugueses se fossem juntar para fazer um trabalho de grupo. O ónus é colocado sobre quem vai votar e não sobre quem é eleito. Precisávamos de ver os candidatos colocados sobre problemas reais de governação para entender melhor o que estamos aqui a fazer. 

É neste território difuso entre significado e significante que nos preparamos para tomar decisões. São muitas as maneiras que nos levam a decidir sobre em quem votar e esse é exatamente o espaço onde a democracia floresce. Porque apesar de uns quantos se dedicarem a ler programas e a cotejar afirmações, de outros mergulharem nas tricas dos debates e das entrevistas, da maioria não ir além de pequenos vislumbres sobre o que se está a passar, a democracia em que vivemos tende a encontrar a mediana no momento do ato eleitoral. E depois será 31 de janeiro e ainda vamos estar todos cá. Obrigados a conversar, escutando e discutindo, para se seguir a inevitabilidade de um país não ser a bolha que escolhemos, mas a bolha que ajudamos a formar. Quem não o percebe, não tem aqui lugar.