Legislativas 2022 - uma análise possível


Parabéns aos vencedores, abraços aos vencidos, os resultados são uma das coisas que interessa, mas não são o ponto final de nenhuma corrida. Pelo contrário, aquilo que os resultados podem indicar são caminhos que terão, uma vez mais, de ser feitos por todos. As condições em cada um se encontra, o lugar de onde vamos partir para essa nova estrada, sim, é aquilo que estará agora em causa, e para isso servem os balanços e as análises aos acontecimentos. 

O PS apostou e venceu. A sensação criada na semana de chumbo do Orçamento de Estado foi poderosa o suficiente para ser transportada até às mesas de voto, onde muitos chegaram com o discurso do PS a ecoar na mente e o receio de ver o poder cair para uma solução que obrigasse a discutir com IL ou Chega. Depois de em 2015 ter sido levado ao poder pelos acordos à sua esquerda, em 2022, o elemento maior assume uma maioria absoluta. É apenas a democracia e a lógica a funcionar. 

O PSD, embrenhado num projeto de poder sem grande sustentação programática, não percebeu o campeonato onde estava a jogar. Rui Rio liderou o seu partido numa lógica de divisão interna, o que lhe serviu para se manter como Presidente do mesmo, mas não alimentou nenhuma visão de projeto nacional. Nessa gestão de facção, Rui Rio foi perdendo em discurso de oposição para o CH e em discurso económico para a IL. Não se definindo quanto ao que poderia estar a fazer hoje se tivesse ganho as eleições, Rui Rio paga por não ter cortado com o PS e por não se ter afastado demasiado dos extremismos-pop que pontuam o novo quadro à sua direita. 

Nesse quadro de extremismos-pop estão discursos vencedores que falharam o seu objetivo. Porque a IL é um partido ideológico e radical a nível financeiro, procurando vender como novo um produto que a maioria reconhece como velho. Porque o CH é um partido de oportunidade, cativando um sentimento isolacionista e estado-novista que sempre esteve disperso na maioria de direita, com um forte pendor de choque que agrada a quem espera que as coisas mudem (não importa como) ou que se digam “verdades” (mesmo que seja mentira). Nenhum deles conseguiu nada para impedir a maioria absoluta do PS porque nenhum deles fala para fora da sua bolha. Ainda assim, é bom ter em conta que a IL, captando um eleitorado jovem e citadino, poderá concorrer para ser solução de governos futuros, ao mesmo tempo que o CH estará agora debaixo de um escrutínio de grupo que permitirá perceber o que há para lá do espelho (onde Ventura foi, até hoje, dono e senhor de toda a palavra). 

A derrota da esquerda parlamentar foi gigantesca e pode ser entendida como uma consequência nefasta do chumbo do Orçamento de Estado. No entanto, este resultado estava “escrito nas estrelas” desde 2015. Ao tornarem-se parceiros numa solução parlamentar, BE, PCP e PEV aceitavam a ideia de que era necessário “empurrar” o PS para o poder, ao mesmo tempo que o acabariam por fortalecer ao ponto de, eventualmente, o abraço de urso se verificar. E verificou. No entanto, para estas forças, é fundamental fazer o balanço e o luto destes seis anos para melhor entenderem o seu posicionamento rumo ao futuro. Ao PEV, fora do Parlamento, é fundamental a execução de um plano próprio de intervenção nas prementes questões da Ecologia, sob o risco de perderem definitivamente o comboio da sua área ideológica. Ao BE e PCP, é fundamental entender que o resultado de 2022 não coloca em causa as decisões de 2015 e 2019. Pelo contrário. Fizeram exatamente aquilo que os seus votantes esperavam destas forças. Há um espaço à esquerda que precisa de alguma redefinição, mas há também muitas lutas que são independentes daquilo que será o número de deputados eleitos. Ainda que se lamente que a “maioria de diálogo” não seja uma maioria que coloca em diálogo todas as forças que fizeram uma maioria à esquerda nos tempos mais recentes. 

Os deputados eleitos por PAN e LIVRE representam visões que conseguem entrar no Parlamento um pouco a contraciclo, se olharmos de um prisma global. Ambos assumiam defender um entendimento maioritário que estará, desta feita, fechado na maioria absoluta de um só Partido. Mas a causa animal e a causa ecológica encontram, num e noutro, espaço para poderem continuar a ter espaço discursivo no Assembleia da República. O desaparecimento do CDS é uma consequência natural da sua história tergiversante. O partido que foi do Centro à apropriação de um discurso extremista à direita, e daí a uma solução de governo que o transformou numa cópia do PSD, não soube lidar com a emancipação das diferentes tendências que trazia dentro. O discurso radical que hoje se veste de liberalismo ou de identidade xenófoba foi do CDS enquanto sentiu que, temperando-se, teria lugar na mesa das maiorias de direita. Até que esse espaço deixou de existir e, por isso, o CDS pode acabar. 

Uma nota final para a questão das sondagens. Não é possível lidar com as análises quantitativas (números de respostas a uma pergunta) sem perceber o contexto onde estas acontecem. O discurso mediático transformou Rui Rio numa solução vencedora e, ao longo de duas semanas, a influência do discurso nas respostas às sondagens foi como um “peixinho de rabo na boca”. Afinal, os resultados finais foram muito mais próximos daquilo que seriam se as eleições se tivessem realizado na semana do chumbo do Orçamento de Estado. O que está a acontecer aqui já aconteceu (e ainda continua a acontecer) na análise desportiva, o crescimento das análises quantitativas não ser acompanhado por análises qualitativas. Ou seja, os números precisam de ser lidos perante outros fatores da realidade para fazerem sentido, caso contrário acaba-se a dizer que a culpa é da estatística e isso serve-nos zero para a evolução das análises. Mais do que  dizer que as sondagens erraram, entende perceber qual o caminho que se percorreu nestes dois meses. Para que as ferramentas que podemos utilizar permitam, cada vez mais, análises mais finas da realidade. A realidade que ganha sempre a qualquer previsão ou análise possível.