A diferença entre cair e atirar-se para o chão


A simulação de faltas dentro da área chegou a ser considerado um autêntico flagelo no futebol, com todos os jogos marcados por encenados saltos para a piscina que deixavam os árbitros na dúvida sobre o apitar falta ou não. A solução encontrada nas regras foi a amostragem de cartão amarelo aos simuladores, o que rapidamente redundou numa outra questão filosófica muito cara aos analistas de faltas dentro da grande área num jogo de futebol, a diferença entre cair e atirar-se para o chão. 

Ocorre-me essa discussão sempre que somos colocados perante a necessidade de escolher uma ou outra coisa, sendo que em muitos casos é realmente difícil destrinçar o acontecimento real através daquilo que nos é permitido observar. Atualmente, essa discussão volta a colocar-se de forma premente, já que, perante a necessidade de se separar as possíveis análises dos acontecimentos na Ucrânia, volta-se a ter a imensa pressa em transformar as pessoas em lutadores pela Europa ou defensores de Putin, conforme a forma como procuram analisar a complexidade dos dados em questão.

O prolongamento da guerra deixa poucas dúvidas quanto ao resultado da decisão de Vladimir Putin, que está a destruir um país, a atacar a população, transformando as suas anunciadas intenções no seu total oposto, já que quanto mais se prolonga a ação russa em território ucraniano, mais unidos os ucranianos estão na defesa da sua independência. Mas como já vimos acontecer um pouco por todo o mundo e por todos os anos da história, ser atacado só nos transforma em vítimas desse ataque, não de todas as outras coisas em que podemos estar envolvidos ao mesmo tempo. 

Os tempos de lei marcial não são os melhores momentos para avaliar as reais possibilidades de pensamento de quem está a viver debaixo das bombas. A forma como encara a sua defesa permite uma certa suspensão de juízo perante decisões que, em tempos de terror, se tornam aceitáveis. Mas também é bom que, desde já, estejamos atentos e preparados para olhar para o que restará destes tempos. Antecipar, de todas as formas possíveis, o que faremos para lá deste momento de suspensão. No filme “Três Andares”, de Nanni Moretti, em conversa com a sua mãe, a personagem Andrea tem esta frase lapidar: “Ninguém quer saber das intenções, o resultado é uma merda!” É exatamente porque o resultado é importante que não nos devemos perder nas boas intenções que adotamos durante o processo.