Um fogo enorme no jardim da guerra


Ecoa-me a voz de José Mário Branco a cantar que “há um fogo enorme no jardim da guerra”. Um fogo onde todos nos queimamos, na ânsia de perceber aquilo que nos desterra de uma paz que imaginávamos duradoura, mas que insiste em ver-se quebrada e a soçobrar perante os senhores de uma guerra que nunca tem fim no nosso mundo. É a estratégia, dizem, para que no momento das negociações se possam sentar à mesa, cada uma das partes, com as mãos cheias de nada, a não ser sangue e vidas humanas desperdiçadas. 

Nenhuma guerra faz sentido e o odioso fica sempre mais pesado para aqueles que iniciam a intervenção à força de bombas, de invasões. Todas as provocações são contexto, mas todas as partes são responsáveis por saber lidar com a diplomacia com as armas que esta nos oferece. Quando se desiste do debate para avançar para o ataque armado, a razão fica lá atrás. Nesse fogo onde nos queimamos a tentar encontrar nexo naquilo que não tem nexo algum, na água que oferecem aos “mortos que já não têm sede”, caímos num combate que vai muito para lá do território onde a guerra se desenrola. 

Num mundo global, todos os conflitos são globais. Para lá do espaço físico onde a guerra ocorre, muitos outros conflitos se alinham entre si para multiplicar a lógica da guerra para lá de toda a lógica humana. Cada um encontra no conflito a oportunidade que precisava para menorizar o outro, para enganar o outro, para amesquinhar a possibilidade de conversa e de debate que, mesmo no meio das explosões que nos chegam pelas imagens da televisão, deveriam ser mantidas como uma possibilidade. 

Ardem em fogo lento as nossas esperanças de exigir a paz. Destroem-se em exageros bélicos os equilíbrios que se procuravam. E vem-me à memória uma ideia debatida tantas vezes: foi semeada entre nós a necessidade de voltar a estar em conflito como se toda a nossa evolução não nos oferecesse um caminho para percebermos que o futuro do mundo tem que ser feito do baixar das tensões, de um entendimento que nos permita viver de uma outra forma. Não é que não tenhamos aprendido a ser diferentes. É que ainda não entendemos que o nosso entusiasmo e o nosso esforço não deve estar à espera da excitação da guerra, mas deve estar presente em todos os momentos em que a paz ainda for possível.