Foto TorresVedrasWeb |
Apesar de já ter lido “Contra la España vacía” de Sergio del Molino há uns meses, houve uma das ideias por ele descritas que me ficou a ecoar no pensamento. Sendo que, ao longo de todo o livro, é impossível escapar à ideia de transposição da realidade espanhola para a portuguesa, onde me insiro, foi na referência ao “Efeito Guggenheim” que fui transportado para uma proximidade que, ao mesmo tempo, me elucidou e incomodou.
Traduzo parte do texto: “Cem anos depois de Clarín ter codificado a primeira equiparação entre cidades de província, os fundos europeus motivaram uma crua corrida entre elas com vista a conseguir o seu próprio efeito Guggenheim. A arte e a cultura erigiram-se em pequenos deuses invocados por presidentes de Câmara, vereadores e diretores de instituições, que ofereciam nos seus altares o sacrifício dos respetivos orçamentos.” Não precisamos de ir mais longe para perceber onde se está a chegar.
Esta busca de uma singularidade local que invista cada cidade de um poder de atração nacional/internacional (escolher a melhor opção) transformou-se numa espécie de cálice sagrado disputado por cada município. E se, em alguns locais, podemos encontrar um planeamento e uma linha de pensamento que alimentam projetos a uma escala sustentável, isso não se poderá dizer da realidade de Torres Vedras, onde a sede de projeção há muito ignorou a capacidade dos projetores utilizados.
Apesar de, historicamente, deter um tecido associativo ativo e empreendedor, o município de Torres Vedras vem dependendo, cada vez mais, da capacidade de investimento da autarquia no que toca à realização de eventos e ações culturais. Essa centralização acabou por ter um efeito poderoso no dito tecido associativo, que se enfraqueceu na lógica de dependência e aceitação de uma linha de atividades que procuram criar visibilidade, mas que não se apoiam na sustentabilidade.
A obtenção de fundos externos é uma das manobras utilizadas para construir. Construir edifícios, pelo centro histórico, pelo centro da cidade, em bairros recuperados, mas não construir bases ou estruturas que assegurem uma vida para lá das paredes. Isso resulta em portas fechadas, salas vazias ou algum desinteresse pela forma como se elabora a vida cultural local. Da procura da singularidade evolui-se para a tortura do efeito e a massificação transporta em si todos os sinais da decadência que a busca do Guggenheim logo antevia.
A forma silenciosa como se resguardam os números nos balanços de cada evento é substituída por umas quantas fotos publicadas no Facebook, para simular a participação. Mas de pouco valerá uma fotografia quando as lacunas provocadas pela realidade continuam a crescer. Quando temos espaços culturais da autarquia a combater pelos mesmos públicos nos mesmos horários, duplicando os gastos públicos numa lógica que coloca frente a frente a programação do cargo passado com a programação do cargo presente, o estudo sobre o ponto de situação da cultura em Torres Vedras realiza-se pelas evidências.
Poder-se-ia escrever um tratado sobre o vazio, não só nos territórios, mas também nas ideias e formas de lidar com ele. Mas arriscamo-nos a preocupar com a vacuidade demasiado tarde. O problema, hoje, não é o que não existe, é sobretudo a forma como subsiste aquilo que existe. Essa conversa não se fará enquanto não for possível perceber, de forma pública e justificada, determinadas opções que marcam a política cultural local da última década. Mas também não será a atirar areia do passado para os olhos do presente que algo se conseguirá.
De alguma forma, o grito de alerta dispensa aplausos. Prefere uma mesa de café onde se permita encontrar alguma maneira como caminhar por entre os destroços quando nos tocar a propor um futuro.