Fim de época - um balanço


Não há trabalho bem feito que não seja um trabalho refletido, ponderado, analisado. Algo que é válido para quem se prepara para um trabalho intelectual, tal como era válido para o meu avô que fez a sua vida a trabalhar na construção civil. O tempo ajuda-nos a afinar a forma do como se faz, mas é a autoanálise que nos permite ponderar se essa forma de fazer se coaduna com a necessidade do que é feito. Explicando. Trabalho bem feito não é, apenas, aquele que nos deixa satisfeitos, mas é, sobretudo, aquele que permite levar essa satisfação a um maior número de pessoas.

Esta linha é particularmente sentida por quem está num trabalho que tem um lado performativo. Onde é necessário conjugar um conhecimento que tem uma larga base de cultura geral e específica do jogo, uma recolha de informação regular e atenta, não só aos casos particulares das competições que se comenta, mas também com capacidade para manter conexão a um universo de outras competições que se tocam, e a capacidade de o transmitir, em direto, enquanto acertamos ritmo com um jogo que decorre à vista de toda a gente. Saber exatamente quando se diz, o que se diz, como se diz. Para que ajude, sem estorvar. 

A acrescentar a tudo isto há o trabalho de equipa. No meu caso, a regra é fazer o jogo com um narrador e, quando se trata da rádio, com mais repórteres ou comentadores. O trabalho de equipa exige um respeito profundo por aquilo que cada um aporta à transmissão. Mantendo a atenção ao ritmo e ao fluxo de informação ditado em cada jogo, acrescentando sem criar engulhos no que está a ser servido ao consumidor, permitindo que aquilo que se leva ao mundo seja algo mais do que pode ser vivido sem a presença dos comentadores. Um pouco mais pode ser bem uma ideia que, de tão presente no meu trabalho, se pode acabar por transformar numa pressão exagerada.

Essa pressão sente-se particularmente numa época em que existiram várias outras frentes que acabaram por me ocupar. Não foi uma fatalidade, foi também uma necessidade minha, porque as várias dimensões do desporto estão sempre em profundo contacto com as várias dimensões da vida. Não fará nunca sentido pensar o futebol como algo isolado do que gira à sua volta. Ligado em várias frentes, a necessidade de dar mais de mim atravessou-se no caminho algumas vezes ao longo da temporada. O cansaço andou, muitas vezes, instalado. E com essa pressão a agudizar-se, foi época para perceber que as bases daquilo que faço são fortes. Porque foi preciso gerir a energia que se dava a cada jogo. Porque foi preciso estar consciente de até onde se poderia ir. Porque foi importante manter a capacidade de fazer mais um jogo. 

Foi a análise que me permitiu fechar a temporada e, apesar de a sentir difícil, complexa, muito longe de ser a minha melhor, fazê-lo com a total clareza do dever cumprido. Ainda mais certo e seguro das coisas que podem ser feitas com respeito pelo que se trabalha, com quem se trabalha, para quem se trabalha. Ainda mais claro nas várias necessidades que o caminho nos aponta e que precisam de ser respondidas. Mas também muito grato a quem continua a acreditar em mim, a acompanhar o que faço, a entender as vias por onde me levo. O caminho não acaba aqui.