O regresso a Maio consiste no retomar de discussões que foram sendo encaradas como resolvidas na assunção de uma nova organização que não se coadunava com a paragem para refletir sobre as consequências do progresso. Importa referir que o dito progresso não é uma totalidade, mas apenas uma aceleração de condições que tocam a uns quantos, deixando para trás muitos outros que, ao mesmo tempo que partilham espaço, não estão permitidos a partilhar existência - e de como isso fere a construção de uma comunidade onde todos se sintam integrados.
Incomunidade de trabalho
Falar de questões laborais pode soar como uma pedra de gelo no início de uma conversa, mas é exatamente nessa necessidade de conversa que teremos que assentar atenções. Se dentro de uma empresa ou de uma determinada área de atividade, as ligações se cortam pela distância do teletrabalho, pelas lonjuras dos centros de decisão ou pelo espartilhamento de responsabilidades, acabamos por existir numa incomunidade de trabalho. Essa incomunidade nasce da falta de comunicação entre pares e entre figuras de diferentes degraus da hierarquia, e é um falhanço que pode ser assacado a várias partes. Falha a empresa, na necessidade de criação de uma coesão produtiva, falha o trabalhador, no entendimento da universalidade do seu problema, e falham os sindicatos, na incapacidade de se colocarem como agente da fala e do diálogo.
O servicismo
Essa incomunidade é um elemento gerador de sentimentos de não-pertença. Os trabalhadores não são propriamente parte da empresa a que estão ligados, prestam serviços, o que leva a que muitas vezes não estejam sequer incluídos no plano geral da empresa, não contribuindo nem participando em atos vitais da mesma. Este desligamento gerado pelo crescimento da precariedade e das situações de recibos verdes, promove uma certa relação autista entre as partes que deveriam cooperar para um bem comum. Vive-se numa senda do servicismo, onde as partes se constituem para se conformarem como iguais - uma empresa e um empreendedor - mas que se configuram numa relação de cada vez maior desconformidade que coloca do lado do contratador todas as decisões passíveis de ser tomadas.
O problema monetário
Há, neste caminho de desigualdades, um problema monetário que nunca deixou de assolar o nosso país. Os baixos salários, as parcas condições, os custos que ter emprego acaba por gerar a quem procura trabalhar. É um discurso que foi formal e frontalmente afastado de todas as discussões. No espaço mediático, a noção de empresa juntou-se à noção de população, e é mais importante falar dos custos associados a um aumento de salário do que a parte do salário que é consumida pelas necessidades - de deslocação, de alimentação, de preparação, de recuperação - de quem trabalha. Quando não se forma uma comunidade de trabalhadores, quando estes são empurrados para serem apenas uma parte externa da roda empresarial, os custos do empregado sobem e nunca são tomados em linha de conta por quem contrata e define os preços da contratação.
A utilidade do trabalho
Com isto gera-se ainda uma questão de utilidade do trabalho. Para quem é útil aquilo que fazemos, quem depende da aquisição do produto do nosso trabalho, como ferramenta para a constituição de um orgulho na nossa capacidade de produzir. A importância do trabalho é também uma ferramenta sobre a qual o trabalhador deve ter posse, mas algo que lhe vai sendo levado das mãos, na forma como se distancia quem produz - na sua existência, na sua voz, nas suas preocupações e ambições - de quem adquire. Retira-se ao trabalho o impacto que este pode ter na sociedade e quem trabalha consome-se na repetição de atos de sobrevivência que em nada contribuem para que, também aqueles que estão nesta situação, possam atingir situações daqueles que melhor se aproveitam do progresso gerado na nossa sociedade.
Aquilo que se pretende aqui é o retomar uma atividade que nos deve ser próxima, calorosa, entusiasmante. A capacidade de fazermos parte daquilo que produzimos para o todo. Recuperar as muitas pessoas que foram afastadas desse discurso dominante do mérito, oferecendo-lhe o reconhecimento devido e a parte aceitável da sua existência como parte da nossa sociedade, é permitir que o progresso seja um espaço cada vez mais alargado e aberto. Regressar a Maio é recuperar um âmbito discursivo que nos escapou a todos.