A esperança morreu

Depois das eleições legislativas, uns dias no Alto Alentejo são o melhor resumo e comentário aos números que vimos sair das urnas. Mesmo que isso nunca chegue a ter o mínimo de impacto na forma como se fala do território nos meios de comunicação. 


Uma rua deserta como morada

Estaciono o carro numa rua deserta de Castelo de Vide ao final da manhã. Um homem varre vagarosamente a rua, uns passos à frente um outro trabalha no quintal, e é através de uma rampa  apertada que entro nas muralhas da vila. Um terceiro homem está à janela, a ver da roupa estendida, enquanto fala com a vizinha, que se senta apoiada numa bengala. É um pouco sem me aperceber que encontro a Casa da Cidadania Salgueiro Maia. O sorriso da rececionista denuncia as visitas pouco habituais por ali. Uma casa que honra um combatente pela liberdade num território que, 50 anos depois do 25 de abril, se sente abandonado pelos seus sonhos. 

Depois de almoço, o centro da cidade não muda de face. Alguns trabalhadores municipais montam bancas para uma Feira do Livro que ali se realizará nas próximas semanas. Num concelho com 2.640 votantes inscritos, percebe-se que não há muito por onde procurar vida. Os jovens seguem para Portalegre para o ensino secundário. E daí para outros territórios onde consigam encontrar respostas para as suas ambições. Os adultos terão que se dedicar às poucas áreas de trabalho que ali se desenvolvem. A maioria delas sem capacidade para os dotar de rendimentos para um nível de vida que lhes permita folga. 

Nos dias seguintes visitarei o Crato para encontrar uma realidade semelhante. Ruas desertas num horário de trabalho, a meio da semana, para apenas me cruzar com uma ou duas pessoas que visitam os serviços municipais, alguém que se prepara para um funeral à porta da Igreja, idosos e idosas no café. Caminhamos por estas ruas com a sensação de uma derrota imensa. A vida esvaiu-se. A esperança morreu. Todas as promessas que podem ter sido feitas a quem aqui viveu saíram goradas. Apesar de ser inegável que, hoje, quem ali nasce possa estudar, possa crescer, tenha apoios que no passado estavam dependentes da boa-vontade de um ou outro senhor. A verdade é que a verdadeira emancipação não se fez. 


Fim do mundo particular

Portalegre, capital de distrito, 19.707 votantes. Pela manhã, junto às escolas, um movimento promissor de juventude. Da parte da tarde, junto à Escola Superior de Educação, essa mesma vida pelas esplanadas. Mas para onde caminha esta cidade que mantém uma forte presença da arquitetura do Estado Novo, como um convite a uma viagem no tempo, à espera de encontrar uma saída? A saída da autoestrada fica a cerca de 50 quilómetros. Lisboa a duas horas e meia de distância. E eu, que saí há dias bem cedo dos subúrbios da capital penso o que terá esse burgo para oferecer a quem acorda a sonhar em Portalegre. 

Num mundo que parece ter acabado, é fácil aderir ao discurso do fim do mundo. Pelo Alentejo, após o 25 de abril, o voto nos comunistas foi um voto de construção. Era a ideia que prometia uma nova vida, melhores condições no trabalho, mais educação, alimentação, a possibilidade de tornar mais cómoda a casa onde se vivia. A ideia de construir um país novo, no entanto, não deixou sempre de se encontrar travada pela realidade de um país velho que nunca soçobrou à revolução. Da dependência de um senhor, passou-se à dependência de uma Europa que nunca teve cara. Portalegre perdeu recursos, habitantes, centralidade. 

A forma como PS e PSD dominam um jogo autárquico, por todo o país, dependente de uma mesma lógica que se entrega aos fundos europeus e repete fórmulas por um território cada vez mais distante do entendimento de quem vive na capital do país, castiga ainda mais quem ali ficou a viver. Uma empresa que se instala sem se integrar na comunidade, uma ou outro construção de equipamentos públicos que não são vividos pelas pessoas, programas e atividades que satisfazem apenas o cumprimento de uma agenda sem interação com quem vive no território. No carro, oiço as notícias do trânsito lisboeta na Antena 1 e uma conversa sobre um evento no CCB e tudo me parece distante e azedo. Dolorosamente distante de um país que ainda respira. 

O centro deixou de compreender o território no seu todo, nas suas diferenças, nos seus desafios constantes. A esquerda procurou construir sem ter peso eleitoral para alcançar sucesso nas suas propostas. A direita descansou até que o poder lhe voltasse a cair no colo, mas agora pressionada por uma extrema-direita que se recria nas cinzas de uma liberdade que se fez de promessas por cumprir. E o pior de uma vida é mesmo ter acreditado numa promessa. Não se espantem, por isso, que os desiludidos queiram agora contribuir para a destruição do que resta. Mesmo que isso os leve para um fundo mais fundo do que onde vivem - para quem vive de cara no chão, a queda é sempre curta.