Montenegro não dá Cavaco

O discurso do Primeiro-Ministro na posse do XXIV Governo Constitucional estabelece a linha condutora que Luís Montenegro pretende impor no palco político. De um lado, a ideia de que ter mais um voto nas eleições é sinal de vitória incontestável. Do outro, a denúncia enquanto força de bloqueio de quem não seguir a sua ideia. 

Os silêncios e o discurso de Montenegro ensaiam uma aproximação ao estilo de Cavaco Silva, numa espécie de regresso a campo de uma velha sombra que anima aqueles que não olham às consequências dos seus atos. Na lógica da sobrevivência do PSD, faz sentido. Luís Montenegro aspira a anos de sucesso na condução do país e esses anos estão, inevitavelmente, aliados a uma memória açucarada pelos dinheiros da União Europeia do que foram os governos de Cavaco. 


A postura de Luís Montenegro condiciona a estratégia do PS. Pedro Nuno Santos quer ser oposição ao líder do Governo, mas o líder do Governo quer ser o líder do bloco moderado contra o bloco radical. Quer PSD, quer PS dão como inevitável a subsistência do Chega como um dos elementos do bipartidarismo nacional. Ambos acreditam que o bipartidarismo não terminou. Só não acreditam que os dois possam sobreviver. 


Nesta leitura, André Ventura beneficiará de uma certa sensação de sucesso na maneira como se poderá continuar a posicionar contra o Governo. Na crença, certa, de que a aspiração do seu milhão de votantes não era a mudança, é, sim, a de se poder continuar contra o Governo. Se a postura de Montenegro lhe garantirá muito tempo neste quadro governamental é a dúvida. 


O Presidente da República é o seu grande aliado. Marcelo Rebelo de Sousa não tem, neste momento, um legado positivo para deixar. Na forma como navegou o seu largo eleitorado, intrometendo-se na gestão dos sucessivos governos, o Presidente da República assume as responsabilidades de uma instabilidade que não tem no atual Parlamento qualquer garantia de ser ultrapassada. 


O discurso de Luís Montenegro soa a música dos anos oitenta, ao “deixem-nos trabalhar” que tanto excita uma certa direita que vive na ilusão de estar mais certa do que os outros. A pista de dança, no entanto, é hoje outra, bem diferente. O que se viu e se vê pelo mundo na forma como a extrema-direita se comporta e é financiada oferece-nos um mapa para nos guiarmos nos próximos tempos. Mas para um Montenegro a jogar pela sobrevivência, um mapa é só um papel ao qual ele não parece dar cavaco.